quarta-feira, 18 de junho de 2008

Andante senza moto

Sr. Sócrates, só deus sabe o desprezo que tenho por si, não enquanto político, porque até faz bem o seu papel: veste-se como aqueles fácies aflitivos e retardados do Interior sonham, desde as botas de Salazar, presta-se bem às anedotas, nas quais somos exímios, e tem conseguido manter este país razoavelmente no lugar que ocupa, desde que deixou de poder pilhar os outros povos. Pior do que o desprezo do homem público é o desprezo que sinto pelo homem humano, aliás, desumano, porque você parece feito de um poliestereno reles, reciclado e semi-rígido -- não não tome isto como uma insinuação sobre o seu pendor anal, estamos mesmo a falar de matéria consubstancial, como se diria no Primeiro Concílio de Niceia, o plástico, que, em si, é o plástico de si, que se revela Natureza, e prolonga em Acto -- um poliestereno que só consegue despertar piedade.
Hoje, à hora do Buzinão, como sempre, eu estava onde não devia, e até lhe vou dar alguns dados pessoais: estava sentado diante da Comadre -- acho que é assim que se diz -- do Cônsul do Dubai, em Londres, sim, imagine, para o que me haveria de dar hoje..., e ela debitava-me uns argumentos que não sei se servirão à E-Ko, se ao Pedroso: O Dubai, e Oman, assentam, até à extremidade do território Persa (e suponho que Afeganistão incluso), num gigantesco colchão de gás natural, que os que têm meios SUGAM, e os que não têm meios vêem sugado. Parece que ao ritmo de cada quarto de casa com ar condicionado, poderá durar 5 anos... O Dubai é uma espécie de Brave New World, onde coabitam as coisas mais estranhas do Mundo, desde as visitas reles do Hermann José e do "marido", ao tal hotel de 6 ******, que a miserável Torre Vasco da Gama, tenta imitar em Lisboa, até aos endinheirados, que lá vão fazer todas as porcarias que o Corão os inibe de fazer nos seus estados atrofiados e medievais, que Israel, de quando em vez, com a América pela mão, tenta atirar para a frente, enfim, para uma frente que só convém a alguns, mas que é, "malgré-tout", um "aggiornamento" forçado.
Não é isso que me traz aqui: Sr. Sócrates, conhecido nalguns meios, pouco letrados, pelo "Engenheiro", gostava de que o senhor tivesse visto o que eu vi hoje, à saída do Metro de Sete Rios. Eram dois rapazitos -- eu sou mau a dar idades -- talvez entre os 12 e os 14/15 anos, que não estavam mal vestidos, naquelas librés coloridas, que tentam imitar a Guarda Suiça, mas em vermelho, com uns emblemas de colégios inexistentes, não percebi bem se aquilo era Feira do Relógio, se uma relativa abundância bruscamente colapsada. Um deles passou por mim, mas como a Mariazinha bem sabe, das várias vezes que comigo se cruza, perto ex-Pavilhão do Rei D. Carlos, geralmente levo o telemóvel na orelha, não porque goste, mas porque, infelizmente, ultimamente tenho tido uma sequência de matérias bem graves para tentar gerir, em simultâneo, e nem ouvi o que me disse, excepto... "50 cêntimos". Depois de aquilo me ter ficado no subconsciente, olhei para trás, e confirmei que eram mesmo dois, erráticos, e zanzantes, e, quando desliguei, voltei a passar perto, para tentar perceber o que era. O mais velho, com um buço tipo o da Ministra da Saúde, pediu-me ajuda para comer, eu disse que já o amigo, irmão, suponho, o tinha feito, e acabei por dar 50 cêntimos a cada um (Faz cá falta a Allegra Geller do Carvalhido, para dizer que se deveria passar imediatamente a mão pelo botão direito do rato, e ler claramente que se tratava de Pedofilia...). Não, não era Pedofilia: era uma bota que não batia com a perdigota, como se aqueles dois tivessem sido subitamente deslocalizados de um determinado patamar socio-económico e lançados na realidade do País das Maravilhas do "Engenheiro". Ainda me virei para trás, com toda a gente a ver, porque, nisso, já nos comparamos com a Europa -- ninguém pára.... -- e acrescentei: espero que não me tenham estado a mentir.
Sr. Sócrates: gostava de que tivesse ficado ao meu lado, com o seu ar de pessoa sensível, universalmente reconhecido, e os tivesse visto contar as moedas que tinham na palma da mão, para as meterem naquelas máquinas frias, e impiedosas, que costumam caçar dinheiro, para, de facto, tirarem... dois bolos. Cá do alto, e o meu alto é relativo, porque é a exacta Distância Zen do Mundo, eu já estava com mais duas moedas na mão, caso as máquinas falhassem: há certas expectativas que é impossível deixar defraudar, e nós temos de ser, nesses minuciosos instantes, os pequenos deuses locais "ex-machina", que devem assegurar o regular funcionamento dos fatais pormenores invisíveis.
Sr. Sócrates, não pode imaginar o peso que sobre mim teve aquele vidro, que separava os putos dos seus pequenos objectos de prazer. Deixe que lhe diga que, para si, uma besta exaltada, hipócrita e amaricada, capaz de vender a alma ao diabo em prol de uma magra "carreira política", sempre com a mesma desgastada aparência do fato que quer passar por caro, e talvez seja, mas não o inibe de ter a mesma penca de saloio, do merceeiro da minha defunta vovó, nem o sotaque das brenhas, que mostra que frequentou pouco as grandiloquências das vozes graves dos nossos poetas, Sr. Sócrates, até por isso gostaria de que tivesse estado ali, pudesse ter visto a minha camisa de linho azul, com 7 000 km de viagem, e que, como os seus fatos -- vamos a medições, cão, por cão, cão e meio... -- daria, pelo valor, para esvaziar a vitrina inteira. Eu sei que um pensamento destes nunca lhe passaria pela cabeça, nem a si, nem a mim, mas hoje passou-me mesmo, pelo meu remorso pessoal, da facilidade com que eu satisfaço um capricho e que levou a que aqueles putos-do-deus-dará tivessem de andar a contar cêntimos, para poderem cumprir um pequeno sonho. Para si, não há pequenos sonhos, há pesadelos extensíveis e retrógrados, que insistem em ter o rosto das centésimas, mas tudo isso é falso: a infelicidade que o Sr. conseguiu, nos seus três miseráveis anos de Governo, estender a uma população inteira é indescritível, e não tem fronteiras nem perdão... e, ah, sim, não se vá já embora, porque que ainda lhe quero contar o resto... Depois de cumprido o pequeno milagre, aqueles filhos dos homens, ora condenados a serem sombra de gente, avançaram para mais um acto do Enorme Descampado em que o quotidiano se lhes tornou, erraticamente quebrado o galho do mundo frágil em que teriam vivido. Se quer que lhes diga, na manhã deste Buzinão, algo deve ter colapsado irremediavelmente no seu pequeno mundo, e os pais, que, na véspera ainda poderiam ter cumprido o ritual dos pólos de marca, talvez tenham deixado cair a brutal sentença do "hoje não temos mais dinheiro para vos dar...", vá, eu sei que dói, mas oiço ainda o resto: depois do bolo, passaram pelo café da esquina, onde pára o homem comum, e pediram, cada um, um copo de água, e -- eu vi! -- pediram à brasileirita do balcão, se podiam despejar lá dentro um dos pacotes de açúcar do café (!), e despejaram, e beberam. Como sabe, isso faz bastante mal à saúde. Brevemente irão fazer as Provas do 9º Ano, onde a execrável Bruxa que você insiste em chamar de Ministra tanto aposta, e irão ter o sucesso que se imagina, como, brevemente, estarão aptos a utilizar todos os quadros interactivos do mundo, e a comunicar a Realidade por teoremas e estrofes de Camões. Não era esse todavia o rumo do resto do seu dia: com a casa destroçada, todo o Mundo se lhes tornava numa Rota de São Brandão, e avançaram, quaisquer navegadores da Terra Incógnita, para afrontar a barreira seguinte, porque, para aqueles que nada têm, tudo é, subitamente BARREIRA, e atravessaram a cancela do Metro, muito colados a alguém que tinha enfiado o bilhete na ranhura... Do outro lado, já se erguia o olhar severo da vigilante, porque, neste país execrável que você construiu, há uma metade que sofre e outra metade que vigia, e pune, os que sofrem. Ainda parei, não fosse a funcionária interpelá-los, e eu ter de interpor a caução de cobrir mais aqueles bilhetes na direcção de um qualquer Desconhecido.
Gostava de que tivesse estado ao meu lado, Sr. Sócrates. Perdi, ou ganhei, como queira, nisto tudo, meia hora do meu fim de dia, e fi-lo friamente, nada comparável com aquele seu esgar de comoção, que acompanhou a assinatura, nos Jerónimos, com a outra tarada a gemer, desafinada, daquele texto, tão importante para a sua "carreira política".
Deixe que lhe diga que eu, refinadíssimo filho da puta, que por si nutre a maior indiferença política, e o maior desprezo, enquanto nascíturo humano, é por estas e outras coisas que ainda me animo a escrever aqui, diariamente, todas as provocações, e vos marco, com selo de fogo, toda a indignidade da vossa imensa agonia, a que chamam "governação". Isto Sr. Sócrates, era taõ-só uma pequena amostra urbana do gigantesco desastre para que conduziram Portugal.
Gostaria de que tivesse assistido a isto comigo, o Sr., no seu "Armani", eu, na minha caríssima "Richard's", com a diefrença de que você talvez não tivesse visto nada, e eu estivesse, com a minha pena, a grafar-lhe já um sinistro epitáfio: "Esta é a minha ditosa Pátria, diariamente em ti vaiada..."

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